Transporte

Reflexos após cem dias de ônibus sem cobrador em Pelotas

O acúmulo de funções para os motoristas é o principal ponto debatido pela categoria

Jô Folha -

Cento e seis dias após a aprovação da retirada gradual dos cobradores de ônibus em Pelotas, sete deles iniciaram este mês a capacitação na Escola de Motoristas Profissionais, coordenada pelo Sest/Senat. Além destes, mais de 30 trabalhadores estão inscritos no processo de qualificação e precisam garantir a carteira da categoria (D), de condução de ônibus e, assim estarem aptos a buscar possíveis vagas no mercado de trabalho, principalmente nas áreas de transportes de cargas. Enquanto a lei 7.047, que estabelece a extinção total dos cobradores até 2027, está sendo aplicada aos poucos, os motoristas das linhas que já começaram a rodar no novo formato - Balsa/Anglo, Obelisco, Cruzeiro, além dos que dirigem depois das 20h, domingo e feriados - admitem sobrecarga de trabalho. Para os passageiros, nada mudou.

"Esse horário é calmo (10h de uma terça-feira). Mas quando o ônibus está cheio, com pessoas em pé, fica difícil controlar o desembarque, pois me oriento pelo espelho e, às vezes, não dá para ver se algum passageiro está vindo pelo corredor", comentou o motorista Tiago dos Santos Tavares, 23, motorista da linha Balsa/Anglo. Ele foi um exemplo de quem, na pandemia, migrou de cobrador para motorista e, por isso, não encontra dificuldades em trabalhar com troco, embora um ou outro dos cerca de 20% dos usuários que ainda utilizam o papel ou moeda como forma de pagamento, apresenta uma nota de R$ 50,00. "O problema no embarque é quando pessoas mais idosas encontram dificuldade em passar na catraca com o cartão e embola tudo na frente. Quase me perco na hora de liberar o acesso de quem pagou em dinheiro", relatou. Outra função acumulada pelo condutor é a de anotar a numeração da bilhetagem toda vez que se inicia o trajeto pelo bairro, pois o motorista deixa seu acento, vai até o posto e faz a anotação manualmente. "Tem a questão dos cadeirantes. Mas isso não chega a ser problema, pois é só apertar dois botões."

Todos esses detalhes já estão sendo absorvidos pelo Sindicato do Trabalhadores no Transporte Rodoviário de Pelotas e pelo Consórcio de Transporte Coletivo de Pelotas (CTCP) que buscam alternativas. O presidente do Sindicato, Claudiomiro do Amaral, demonstra preocupação com o acúmulo de funções para os motoristas mais antigos, tanto na questão de conduzir o veículo, controlar o acesso dos passageiros, lidar com o troco e, principalmente, com o trânsito. "O usuário perde em qualidade de atendimento e o motorista ganha sobrecarga de trabalho", diz o sindicalista. Com isso, segundo Amaral, o tempo percorrido de uma linha, que segue o mesmo de quando tinha cobrador, acaba atrasando cerca de dez minutos, o que desconta no total do período de descanso do profissional, que hoje, pelo acordo coletivo é de 30 minutos, de uma jornada de sete horas e 20 minutos.

"A Secretaria de Transporte e Trânsito (STT) já está com a solicitação do Sindicato para que se possa fazer o trajeto de maneira mais tranquila dentro do horário adequado." Ele lembrou ainda que em certas situações, o cadeirante, que tem permissão para levar acompanhante, muitas vezes está só e a responsabilidade fica para o motorista. Mesmo com a demanda encaminhada, o secretário, Flávio Al-Alam, avalia positivamente os primeiros cem dias de circulação de alguns veículos do transporte coletivo sem a atuação dos cobradores. "Não tivemos problemas em relação aos usuários, pois a imensa maioria já utiliza os cartões para fazer o pagamento e poucos pagam diretamente ao motorista", afirmou. Também não foi necessário realizar mudança específica para a efetividade do serviço nesse período. "Entendemos que a avaliação é boa neste início de operação".

Futuros reajustes
O resultado positivo para o secretário-executivo do Consórcio, Enoc Guimarães, ainda está por vir, mesmo tendo apenas 10% da frota atualmente sem cobrador. "Este profissional tem um impacto de 20%, ou seja, R$ 1,00 no valor da passagem e nós lentamente estamos fazendo essa retirada com a qualificação e capacitação deles. Vai ser um processo lento, mas vamos conseguir ter reflexo nos próximos reajustes tarifários quando os usuários serão beneficiados", projetou. Guimarães anuncia que está em fase de atualização dos validadores de débito e crédito para instalar em toda a frota e a possibilidade de pagamento por PIX. "Antes da pandemia tínhamos meio a meio para pagamentos em dinheiro e em cartão. Após, essa proporção ficou para um terço." Para ele, com toda a tecnologia, a figura do cobrador está dispensada.

Mas antes de eliminar o profissional, serão necessárias algumas melhorias como o acesso à catraca. A usuária Aline Duarte, 29, que é correspondente bancária, conta que no horário de levar o filho para a escola, o ônibus está sempre cheio e, muitas vezes, quando está com ele no colo, não tem onde sentar. "Eles não deixam eu ficar ali, mesmo que os bancos estejam vazios", queixou-se. Sobre a ausência do cobrador, para a passageira, não alterou em nada. Os bancos a que Aline se refere são exclusivos para quem não têm condições de transpor a catraca, segundo explicou Enoc Guimarães. À reportagem, o secretário-executivo revelou que o Consórcio está analisando outras formas de acesso para facilitar o motorista. "Estamos pensando até em catraca eletrônica para ajudar na passagem de idosos e mães com filhos no colo. Para o próximo mês, alguns testes poderão ser realizados."

Quem paga passagem com dinheiro, como a aposentada Aldaci Isnardi, 64, também não encontrou dificuldades em usar as linhas só com motoristas. "Acho que está indo muito bem, porque a passagem a R$ 5,00 facilita o troco", comentou. Para ela, se a previsão do CTCP sobre os reflexos com os futuros reajustes, se confirmar, ou seja, baixar o valor do ônibus, irá comemorar bastante. "A tarifa tá muito cara. Só para visitar minha filha no Fragata eu gasto R$ 20,00, dinheiro que se eu encontrasse uma boa oferta, compraria um saco com cinco quilos de arroz e mais alguns produtos", fez as contas.

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